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PALAVRAS PARA IRINA Eduardo Lima

26 de abril de 2018

Meu menino brinca comigo. Acenou para um velhinho na Savassi, exclamou “olha o Papai Noel” e riu na curva, não se importando com o caos do trânsito. Meu menino lambeu o dedo lambuzado de geléia no café da manhã diante do olhar atônito de Irina, minha filha pequena. Irina está já mocinha, nove anos, e deve ter imaginado; “meu pai é como eu!”. E sou. Sou o que não se afastou de mim, um amontoado de dias e noites, por um instante reanimado e pronto para todas as delícias. Quero Coca Cola, mascar chiclete. Quero bicicleta de rodinhas e carrinho de rolimã. Quero rua molhada, rua de chão. Quero cabra cega, menina Irina. Hoje o menino sou eu. Vai chegando o Natal e quero coisas que gente grande não quer mais. Abraçar, me lambuzar, rir com lágrimas. Não repare, Irina, quero lápis de cor. Sou criança, quero piscar como vagalume. Quero um pirulito, sei lá, um doce qualquer. Uma piorra que a gente dava corda e girava, para quase tontear. Quero revólver de espoleta, uma roupa de Roy Rogers, um cavalo de pau que cavalgue interminável sobre si, balance, relinche e tenha crinas que esvoaçam ao vento da fantasia. E veja Irina que minha saudade se lembrou de um palhaço de lata que tocava um tambor feliz. O pequeno palhaço fazia alarde e seu som se misturava aos que vinham da cozinha. Quero os cheiros de Tia Neném, menina. Dos quitutes dela, dos pavês. Cheiros que se misturavam ao de Leite de Colônia e outros aromas de infância. Por isso Irina, porque estas lembranças me acodem, eu fico lambendo dedos lambuzados de geléia numa mesa de café da manhã. É que na verdade eu queria ser assim e compreender sua linguagem, seu modo javanês fluente de conversar com pressa, pequena maritaca de meu afeto. Veja que agora vou amassar banana. Amassar banana com aveia e ficar muito forte, um pai imenso, capaz de não morrer de doença, pois banana, aveia e mel refazem o músculo e desviam de rumo qualquer mal. Quero também um ovo quente – quando tinha a sua idade eu adorava ovo quente – com uma pitada de sal e revirado, na casca. Depois sujar a mesa descuidado, quase de propósito, só para lembrar de minha mãe vermelha – minha mãe ficava linda irada. Mais linda, digo. Neste instante eu sou meio você, Irina; cândido, de menos amargor. E se houver sorriso, aquele de dentinhos, eu vou até você e lhe beijo, com força. Comigo é assim, pequena Irina. Se me deixo volto, faço um caminho longo e para parar escolho estações de agrado, com flores, estações bucólicas que ainda se guardam no trajeto de mim. Não repare, então, eu lamber os dedos. São reminiscências, pequenos delitos que meu coração enfastiado deixa.

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